Após meses, a chuva cai novamente.
As pessoas correm irritadas,
ociosas na tarde de sábado.
Correm rápidas como formigas atacadas.
Agrupam-se e quase se estranham
no movimento angustiado à procura
de vaga.
Reclamam da chuva.
Podia ter sido ontem
melhor mesmo se fosse à noite
enquanto dormiam.
Hoje, compromissos urgentes, urgentes!
E a chuva só causa transtornos.
Mesmo assim, correm as águas, quase envenenadas
por esses pensamentos segundos.
A chuva cai de outro mundo,
tão cinza e tão fechado,
como uma mãe transtornada
ou meu pai contrariado.
As paredes dos edifícios úmidos
pingam indiferentes.
São plantas humanas e não têm raízes.
As chuvas caem em rios e inundam
e invadem como anti - sangue e sugam
das veias da cidades
as vidas e as dignidades.
Caem as águas sujas, indiferentes;
aos homens.
Os homens correm para seus abrigos
em desespero.
Como são frágeis esses homens!
Procuram no subsolo um deus e seu consolo.
Distraem-se com a própria chuva que cai.
Muito antes dos homens e seus medos e ritos
a chuva, uma deusa do mundo
cai com simplicidade e certeza
de lavar os medos
e levar em filetes finos todos os sonhos;
todos os rancores e amores;
daquele que um dia
se acreditou imortal.